Web 2.0 está a minar o poder centralizado
2009-06-21
ELMANO MADAÍL
A ser possível doutrinar revolucionários com 140 caracteres, a do Irão não será a primeira "revolução Twitter" da História. Longe disso, não obstante a escassez do percurso do Twitter.
Ferramenta de micro-blogging lançada a 21 de Março de 2006 por Evan Williams (autor do Blogger), Biz Stone e Jack Dorsey, o Twitter permite aos utilizadores (twitters) enviar mensagens curtas aos inscritos na lista de seguidores, os quais são notificados instantaneamente de cada actualização feita pelo twitter original. O nome da ferramenta refere-se à onomatopéia inglesa tweet - o chilrear dos pássaros, adoptados também para ícone do Twitter (um pássaro azul).
O serviço conheceu um crescimento exponencial num só ano (1382%, segundo a Time) graças à adesão de muitas celebridades - o presidente dos EUA, Barack Obama, é o twitter com mais seguidores, cerca de 410 mil - por comportar uma vantagem que os blogues tradicionais não tinham: mobilidade e instantaneidade. Permitindo "twittar" a partir de um telemóvel à medida do desenrolar dos acontecimentos, foi utilizado no terremoto da China em Maio de 2008, ou ainda na aterragem forçada, em Janeiro, do avião da US Airways no rio Hudson, Manhattan. Os relatos do Twitter - conhecidos por tweets - são quase sempre em primeira mão, como os de Janis Krums. Residente em Nova Iorque, informou os amigos daquele acidente aéreo pelo Twitter - "está um avião no Hudson. Estou no ferry para resgatar as pessoas. Uma loucura" - assim que a nave pousou na água.
Mais significativa foi o uso do Twitter em dois acontecimentos de Maio: na Moldávia, os manifestantes contra o regresso dos ex-comunistas ao poder foram mobilizados através de redes sociais, com destaque para o Twitter e os telemóveis; e na Guatemala, os protestos contra o presidente Álvaro Colom, alvo da denuncia póstuma e em vídeo - publicado no YouTube e publicitado via Twitter -, de corrupção por um advogado assassinado na véspera.
Todavia, o entusiasmo dos analistas em relação ao fenómeno Twitter iraniano, o principal suporte difusor e de mobilização dos que alegam fraude eleitoral - com o tráfego de mensagens identificadas por #IranElection a passar as 200 mil por hora, levando o Departamento de Estado dos EUA a sugerir à administração do Twitter que não parasse o serviço para manutenção - é desigual.
Artur Alves, doutorando em Comunicação Social com uma tese sobre a importância política das redes sociais, segue os acontecimentos no Irão. E manifesta o seu cepticismo sobre as capacidades de algo como o Twitter, ou até demais ferramentas da web 2.0, fornecer argumentos ao fervor revolucionário: "Não é fácil criar massa crítica suficiente para destabilizar um país, porque as redes sociais são imbuídas dos valores das pessoas que os usam e recorrem a elas. A tecnologia é sempre neutra", afirma. No entanto, admite que "já não será possível, a nenhum regime, a nenhum Estado, ignorar a importância destes mecanismos de mobilização".
Algo que parece ter acontecido na República dos mullah, que procura agora, com o fecho de certos serviços da internete, recuperar terreno na guerra de informação instalada. E que extravasou fronteiras. Para iludir a vigilância das autoridades, os twitters iranianos têm recorrido, por exemplo, a um software gratuito chamado Freegate. Criado por engenheiros chineses sediados nos EUA para ajudar o Falun Gong, grupo espiritual chinês perseguido por Pequim, a escapar à censura governamental, o programa, alojado num flash drive, direcciona os navegadores da internet para um servidor no exterior que modifica os endereços de IP (identificador do terminal em uso) uma vez por segundo. Demasiado veloz para os censores reagirem. Disponibilizado em farsi em Julho de 2008, cresceu exponencialmente no Irão, país cuja juventude populacional, além de não ter memória vivida da revolução islâmica que derrubou o Xá em 1979, gerou uma das maiores comunidades de bloggers do Mundo.
Luís Santos, do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, recorda que o momento mais alto da utilização política da web 2.0 terá sido "a eleição de Barack Obama para a Casa Branca com uma campanha muito apoiada nas ferramentas da internete, como o Facebook e o Twitter". Aliás, nota, "o Twitter, no fundo, é uma evolução da lógica dos SMS (mensagens de telemóvel), cujo poder ficou provado com a derrota eleitoral do presidente do Governo espanhol, José Maria Aznar, em 2004, ou em Portugal, com a mobilização espectacular dos professores".
Mas para aquele docente, tal como Artur Alves, a crise iraniana prova, antes de mais, que serviços gratuitos como o YouTube, o Facebook ou o Twitter, "além de darem maior expressão a estes acontecimentos, constituem uma oportunidade para as pessoas expressarem a cidadania. São formas não organizadas de associação civil alternativas às estruturas tradicionais - como os sindicatos ou os partidos políticos, cada vez menos mobilizadores, como se viu pela abstenção nas últimas eleições europeias - e com as quais teremos de contar", afirma. E conclui: "Estas ferramentas dão maior dimensão ao processo democrático, porque se é verdade que acrescentam incerteza, também lhe dão outro dinamismo".
A mbos relativizam, porém, as virtudes revolucionárias do meio: "Não é a ferramenta que faz a revolução", dizem, contrariando as teses do canadiano Marshall McLuhan - o visionário advogava, em 1967, que "o meio é a mensagem". Algo com que outro observador dos acontecimentos iranianos, Armando Marques Guedes, tende a concordar. Elaborando sobre as capacidades do Twitter e do Facebook, aquele intelectual da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa assinala que "a presunção de não adequação do Twitter para fomentar e sustentar uma revolução supõe a irradiação de uma mensagem doutrinária sofisticada, internamente coerente, robusta, a partir de um ponto central", diz.
"Sucede que, neste momento, essas mensagens diluem-se noutras mensagens. Descentradas, fragmentadas, é certo - os textos no Twitter têm uma densidade ínfima de informação -, mas o que é significativo é que as mensagens robustas emanadas a partir de um ponto central - como as doutrinas políticas - deixaram de ter o monopólio discursivo. Nesse sentido", realça, "é revolucionário, porque retira o monopólio seja a quem for, distribuindo a produção discursiva a todos os segmentos sociais", afirma.
Por isso, estas ferramentas são já revolucionárias em si mesmas, porque "se, até agora, todas as tecnologias de comunicação favoreceram a centralização, pela primeira vez promovem a descentralização, constituindo-se como instrumentos não de controlo, mas de subversão potencial. Portanto, derrubam os sistemas de controlo".
Concede, no entanto, que as características do Twitter se adequam mais a movimentos tácticos, "para efeito de mobilização e recrutamento básicos". Mas "se o Twitter é o suporte táctico", sublinha, "o Facebook pode ser o suporte estratégico, porque ele permite construir, através de uma ferramenta Wiki, uma teoria política descentrada".
Até agora, a esmagadora maioria das análises sobre os acontecimentos no Irão tem realçado apenas as virtudes do Twitter e do Facebook. Mas há o reverso da medalha. "Sendo uma arma disponível para todos, pode ser usada por grupos malévolos, e até pelo próprio Estado para exercer um poder despótico", alerta Marques Guedes. E Artur Alves, após notar que "o Twitter pode ser importante na contra-informação e na destabilização de um país", assinala que, no caso iraniano, "consta que já haverá utilizadores a fazer contra-informação, divulgando através dos mesmos meios da oposição a versão governamental dos acontecimentos". De qualquer modo, a revolução tecno-popular está consumada no Irão. Porque, depois disto, na Pérsia já nada voltará a ser como dantes.
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